Amanda de Azevedo Soares Careno - Psiquiatra
Atravessar o caminho de elaboração da perda de alguém amado e da adaptação a uma nova realidade de vida sem dúvida é um dos processos mais desafiadores e difíceis da nossa existência terrena. É através das relações humanas, dos afetos familiares e fraternos que nos constituímos em nossa individualidade e através dessas relações norteamos também nossos referenciais de mundo, nos mais diferentes aspectos. Temos a tendência a pensar e sentir o mundo de maneira semelhante àqueles com quem mais convivemos.
Carregamos orgulhosamente em nós os trejeitos de um avô amado, o tempero da avó querida, a paixão pelos livros daquela tia professora, as habilidades manuais do tio inventor, o gosto musical compartilhado com um irmão artista e o olhar amoroso e compassivo de nossos pais e outras pessoas que são referenciais de afeto.
Quando vivemos a perda, parece que um buraco em nossa vida se abre. O luto nos dá a sensação de que algo essencial nos foi tomado, e a partir desse instante nos vemos perdidos, pois por alguns momentos sentimos que nosso referencial de mundo se transformou. E sim, tudo mudou.
Mesmo que em algumas situações, o momento da perda seja de alguma forma previsível, nunca é possível se preparar totalmente para o luto. Cada relação humana é única, e só podemos saber o que sentiremos na ausência do convívio com cada pessoa quando vivemos essa situação.
Considerando os aspectos emocionais, é esperado que as pessoas precisem de tempo para viver o processo de elaboração do luto. Segundo o mundialmente citado modelo da psiquiatra suíça, Elisabeth Kübler-Ross, passaremos pelas fases da negação, raiva, barganha e depressão, até que cheguemos à aceitação do luto. Não há um tempo exato para esse processo.
Quando chegamos à aceitação, não significa que não sentiremos saudades e mesmo alguns rompantes de tristeza. Mas conseguimos nos lembrar da pessoa querida de forma que prevalecem as lembranças do amor vivido e dos inúmeros momentos essenciais passados juntos.
Dessa forma, o amor perdura. E não é clichê dizer que aqueles que nos deixam, seguem vivendo através de nós, de nosso amor, comportamentos e atitudes. E se a conversa costumeira já não é possível, que lhes dediquemos nosso carinho, gratidão e orações.
É certo que a oração e o fortalecimento da fé são caminhos essenciais para o conforto no momento da dor, pois, embora a separação possa ser dura, conseguimos alento na convicção do reencontro na vida eterna, ao lado do Pai.
Fernandópolis, 29 de outubro de 2024.
Amanda de Azevedo Soares Careno
Psiquiatra
Os artigos assinados não representam necessariamente a opinião da Diocese de Jales
“Embora a separação possa ser dura, conseguimos alento na convicção do reencontro na vida eterna, ao lado do Pai”.