Imagem 1: Fernanda e Vanessa Cozzi nos jogos Rio 2016. Imagem 2: Fernanda e Bento
“Você tem até potencial, mas sendo mãe solo é difícil chegar lá” e “O seu filho é problema seu”. Essas foram algumas frases que Fernanda Nunes (imagem 2), atleta olímpica de Remo, ouviu de treinadores um pouco antes das seletivas para os Jogos Rio 2016, quando disputou na categoria double skiff peso leve, ao lado de Vanessa Cozzi, outra mãe (ambas carregam o recorde da categoria há oito anos).
Naquela época, Fernanda tinha Bento, com 3 anos de idade. A descoberta da gravidez não planejada tinha acontecido anos antes, há duas semanas da seletiva para 2012, interrompendo uma crescente de treinamentos e conquistas de novos tempos e marcas. O que era para ser uma parada forçada de quem estava tentando “equilibrar os pratinhos”, entre o trabalho de fisioterapeuta e os treinos iniciados às 5 horas da manhã, se transformou em uma maratona. Fernanda conseguiu participar das seletivas até a sexta semana de gestação.
No retorno da sua licença, com pouca rede de apoio, levava Bento para os treinos. “Os colegas se revezavam para dar o colo. Pessoas que eu mal conhecia se ofereciam para ajudar, o que não acontecia com algumas pessoas da comissão técnica. Ofertas de suporte não eram cumpridas, propostas para competições mais amadoras e frases de desmotivação foram feitas, houve um desmerecimento ali. Mas, com a maternidade, me tornei uma pessoa mais focada, resoluta, resiliente e muito mais difícil de ser vencida”, conta a atleta que vem colecionando medalhas (mais recentemente no último dia 29 na Copa América de Remo Costal), além de integrar a comissão de atletas do Comitê Olímpico Brasileiro desde 2020.
Assim como Fernanda, muitas mães são desmotivadas a seguir na carreira após a chegada dos filhos. Dados da pesquisa Bem-Estar Parental (2023), realizada pela Filhos no Currículo e a Infojobs sobre os desafios da parentalidade na carreira, apontam que 55% de pais e mães já sofreram preconceitos ou retaliações no trabalho ou em processos seletivos.
"Não é só o esporte que expulsa talentos femininos. No mercado de trabalho, mulheres são arrastadas para fora da arena na medida em que chegam os filhos em suas vidas, como se passassem a performar menos. O que acontece é o contrário. Filhos são potência na carreira. Ao invés de perda de performance, essa profissional retorna ao trabalho com habilidades extras adquiridas no exercício de sua maternidade", explica Michelle Terni, CEO da Filhos no Currículo.
"É sempre importante frisar que não existem premissas iguais para mães e pais na regra do jogo da carreira, a começar pelo período de licença maternidade versus paternidade. O esporte é uma fonte riquíssima de inspiração sobre isso. Em ano de Olimpíadas, é preciso levar essa discussão para os corredores corporativos", completa Michelle, que comanda a implementação de ambientes de bem-estar parental, ajudando empresas a transformarem suas políticas, processos e pessoas.
Traga sua filha para o ginásio, a gente dá um jeito, colo sempre vai ter
A ginasta olímpica Gabrielle Moraes (imagens 1 e 4), tetracampeã pan-americana e medalhista na Copa do Mundo, conta como o apoio de sua liderança a auxiliou na transição de sua carreira ainda dentro do esporte.
“Quando descobri a gravidez da Manu, era titular de duas coreografias e faltava apenas uma semana para nossa primeira Copa do Mundo. Era um domingo à noite quando fui à casa da minha técnica, chorando. Ela simplesmente olhou para mim e disse: ‘Você está grávida e está tudo bem. Vai ser o maior amor do mundo e mais uma fase que vamos viver juntas’”, relata.
Gabrielle menciona que pôde escolher entre continuar treinando e adaptar sua vida de atleta à maternidade ou passar a compor a equipe técnica, que precisava de reforços. Com 20 anos de carreira, iniciados aos seis anos de idade, viu ali uma oportunidade: “já estava completamente realizada como atleta, com várias medalhas conquistadas, principalmente no meu auge, que foram as Olimpíadas do Rio. Vi na comissão uma oportunidade de conciliar melhor a carreira com a maternidade”, explica.
“Não coloque a Manu em creche, traga para o ginásio que a gente dá um jeito, colo sempre vai ter, ajuda sempre vai ter”, foi a frase dita pela técnica quando mencionou procurar uma creche após seu retorno da licença maternidade. “Esse apoio deixou a maternidade mais leve e me fez sentir segura em saber que poderia voltar a trabalhar mesmo com uma filha pequena. Ser mãe nos faz chegar ao pico da exaustão, do cansaço e da privação de sono, mas minha vida não parou depois que Manu nasceu, pelo contrário, me fez alçar voos ainda mais altos”, completa.
“Levar filhos para o trabalho pode não ser a realidade da maioria, mas receber esse tipo de acolhimento da liderança deveria ser”, salienta Michelle. No levantamento (Bem-Estar Parental) identificamos que 78% dos entrevistados se dizem mais engajados e compromissados à medida que a empresa respeita seu papel como pai ou mãe. “Aliás, liderança acolhedora é um dos requisitos mais desejados pelos profissionais com filhos. Há uma mina de ouro nas mãos desses líderes, que nem sempre estão preparados para reconhecer e impulsionar esses talentos”, enfatiza.
Sobre a Filhos no Currículo: consultoria de transformação cultural especializada na criação de programas de parentalidade corporativos. O foco é construir uma cultura de bem-estar parental nas empresas por meio de lideranças mais preparadas, times empáticos e políticas internas que sejam acolhedoras e inclusivas para quem concilia filhos e carreira. Atua a partir dos pilares de sensibilização, consultoria e engajamento, em temas como inteligência emocional, equidade de gênero e parentalidade. Dialogam com pais, mães, lideranças, gestores de RH e Diversidade sobre essas pautas.