Pe. Prof. Dr. Telmo José Amaral de Figueiredo Comissão Bíblica – Diocese de Jales
Antes de mais nada, é fundamental esclarecer algumas das principais características e particularidades do cristianismo. De fato, o cristianismo é uma religião que difere, em muito, das demais pelo fato dele não se reduzir à prática de cultos, mandamentos para uma vida feliz, preceitos de vivência individual. Primeiramente, para o cristianismo, é Deus quem se faz ser humano na pessoa de Jesus Cristo para vir ao encontro do homem, se revelando na carne, na realidade humana plenamente. Enquanto que, nas outras religiões se verifica um esforço dos homens de chegar até Deus. Para nós, cristãos, Deus é quem veio até nós! Em segundo lugar, nós não cremos em um livro, no caso, a Bíblia Sagrada, nós não adoramos uma Escritura, por mais inspirada que ela seja, mas nossa conexão, nossa fé, nossa adesão são a uma PESSOA, ou seja, a Jesus, o Cristo, o Salvador da humanidade. Nossa fé não se baseia em uma doutrina, mas na pessoa do Cristo! O que ele é, o que ele disse, fez, vivenciou é que fundamenta a nossa fé.
Porém, há uma outra característica fundamental do cristianismo, herdada do judaísmo, é preciso frisar, que é muito negligenciada e esquecida pelos que se dizem cristãos. Refiro-me ao fato de o cristianismo ser uma RELIGIÃO ÉTICA. O que isso significa? Para o cristianismo a forma como os seres humanos se relacionam e organizam a sua sociedade é constitutivo de seu ser cristão! Dizendo de modo mais claro: primeiramente, cremos em um Deus único e pai de todos, indistintamente; em segundo lugar, dessa fé nasce a exigência de vivermos uma fraternidade à luz do amor ao próximo, pois todos somos irmãos e irmãs uns dos outros; em terceiro, nossa pátria não é um determinado país ou nação, mas pertencemos a uma pátria celestial (transcendental); finalmente, somos seres em contínua renovação e conversão, jamais prontos e acabados, disso decorre a exigência da missão: aquilo que experimentamos e vivenciamos em Cristo devemos compartilhar com as demais pessoas.
O nosso Deus não é um ser distante, completamente alheio e alienado da vida humana, dos dramas e penúrias humanos: «Eu vi a humilhação de meu povo no Egito e ouvi seu clamor por causa da dureza dos feitores. Sim, eu conheço seu sofrimento. Desci para livrá-lo da mão dos egípcios e fazê-lo sair dessa terra» (Ex 3,7-8a).Jesus, na sinagoga de Nazaré, assume para si essa mesma preocupação, citando o profeta Isaías (61,1-2): «“O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me ungiu para anunciar o Evangelho aos pobres: enviou-me para proclamar a liberdade aos presos e, aos cegos, a visão; para pôr em liberdade os oprimidos e proclamar um ano do agrado do Senhor”... Então começou a dizer-lhes: “Hoje cumpriu-se esta palavra da Escritura que acabais de ouvir”» (Lc 4,18-21). Portanto, aquilo que acontece aos seres humanos interessa diretamente a Deus!
Por isso, o que se faz ao ser humano pobre, indefeso, marginalizado, abandonado se faz diretamente a Deus! Isso mesmo: «Quem se compadece do pobre empresta ao Senhor, e Ele o recompensará pelo que fez» (Pr 19,17). Mais ainda: «No próprio dia lhe pagarás. O sol não se ponha sobre seu salário, pois ele é pobre e o salário sustenta sua vida. Do contrário, clamará ao Senhor contra ti, e tu ficarás culpado» (Dt 24,15). No Novo Testamento, encontramos algo semelhante: «Olhai: o salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos, e que vós deixastes de pagar, está gritando; o clamor dos trabalhadores chegou aos ouvidos do Senhor todo-poderoso» (Tg 5,4).O texto bíblico mais explícito e eloquente a respeito da identificação de Deus
com os pobres e mais fracos da sociedade encontramos em Mateus 25,41-43, cujo rei da parábola representa o próprio Deus: «Depois, o Rei dirá aos que estiverem à sua esquerda: “Afastai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno, preparado para o diabo e para os seus anjos; pois eu estava com fome, e não me destes de comer; com sede, e não me destes de beber; eu era forasteiro, e não me recebestes em casa; nu, e não me vestistes; doente e na prisão, e não me visitastes”».
Concluindo, o que mais agrada e satisfaz Deus não são nossas celebrações, não são os nossos sacrifícios, não são os nossos louvores, enfim, não é aquilo que fazemos dentro de nossas igrejas, mas o tipo de vida que vivenciamos fora delas: «Pois é amor que eu desejo e não sacrifício ritual, conhecimento de Deus mais que holocaustos» (Os 6,6). Nessa mesma linha, encontramos: «Ele te deu a conhecer, ó homem, o que é bom e o que o Senhor procura de ti: simplesmente praticar o direito, amar a bondade e caminhar humildemente com o teu Deus» (Mq 6,8). E Jesus, dirigindo-se aos líderes religiosos de seu tempo, ordena-lhes algo semelhante: «Ide, pois, aprender o que significa: “Misericórdia eu quero, não sacrifícios”. Com efeito, não vim chamar justos, mas pecadores» (Mt 9,13).
Diante de tudo isso que foi exposto acima, é de se perguntar: o Brasil, ─ país com cerca de 77% da população constituída de católicos e evangélicos, todos se dizendo crentes em Jesus Cristo e respeitadores de seu Evangelho ─, pode se considerar, de verdade, um país cristão? Será que as igrejas cristãs do Brasil não estão precisando, urgentemente, crer e viver, de fato, o que Jesus pregou e praticou enquanto esteve conosco, em nossa terra? Cada um faça o seu próprio e sincero exame de consciência!